Depois de ver a repercussão que deu o programa Pânico na Band de ontem, vi que é um ótimo momento pra colocar esse programa na roda de debates, pra que a gente (mesmo quem não assiste ao programa), possa olhar pra ele com um outro olhar. Vale dizer que eu não assisto ao programa, vi algumas coisas na TV, por estar em algum lugar em que estivesse passando, e olhei algumas coisas aqui na internet. Não sou uma profunda conhecedora do programa e seus personagens, e o motivo ficará claro ao longo do post.
(Se você acompanhava o blog, esse post é uma adaptação de um post de 2 anos atrás, com o acontecimento da última semana)
No último domingo (22/04/2012), foi transmitido, ao vivo, a cena de uma das panicats tendo seu cabelo raspado. O único argumento que consegui identificar na fala deles, foi o de " mostrar que ela tem o espírito do programa". O video, como os outros que comentarei no post, é bem pesado, não consigo assisti-lo sem uma dor muito forte no coração, por ver o que é 'aceito' que aconteca com as mulheres na TV Brasileira, e ainda por cima com o argumento da piada. Essa não foi uma violência apenas discursiva (como está em pauta por algumas piadas de outros comediantes da atualidade), foi uma violência física (mias uma que esse programa transmite na TV Brasileira). O fato dispertou diversas opiniões, e acho interessante a gente discutir cada uma essas opiniões, para olhar com calma de onde vem cada uma das opiniões, e onde elas podem nos levar.
Procurei outros vídeos no youtube para que eu tenha mais exemplos para basear a discussão, e para colocar alguns vídeos aqui no post, como exemplo do que eu estou querendo dizer. Sinceramente... Assistir a esses videos não foi uma boa ideia. Estou enjoada, com raiva, coração disparado, e com aquela sensação de falta de esperança na humanidade que eu DETESTO sentir.
Desde muito nova, quando voltava da escola, meu pai, ou o motorista da van iam ouvindo aquele programa do rádio “Pânico”. Era um programa de entrevistas, e não me lembro de ter ficado incomodada com ele. Esse programa foi para a TV, com o nome “Pânico na TV”, e eu não costumava assisti-lo...
Minha revolta começou quando aquele quadro “Vô, Num vô” começou a ser exibido, e virar mania nacional. Sim, infelizmente, vivemos num país em que esse tipo de coisa vira mania nacional. Dois caras saiam pelas praias do Brasil, abordavam mulheres e colavam adesivos nos quais estavam escritos “Vô, Num vô e Camarão” no corpo delas. Sendo que essas palavras demonstravam se eles “comeriam” ou não a mulher, ou se fariam como com camarão “tirar a cabeça e comer o resto”. Depois de colarem o adesivo, enterrar uma plaquinha com o que a mulher merecia (como que demarcando território), eles as pediam para que elas lhes “dessem a pata”, para dar uma voltinha, e o telespectador ter uma visão mais completa do corpo da mulher.
É chover no molhado dizer que estão objetivando a mulher??? Que essa atitude humilha a mulher, e não deveria acontecer? O pior é que eu não sei... A maioria das pessoas com as quais conversava na época, achava isso engraçado. Ria e continuam rindo disso, e não percebe como eu percebo. Fazendo isso, eles colocam a mulher como um produto a ser consumido ou não, dependendo da vontade do homem. PERAÍ. Para o sexo acontecer, precisa-se de duas pessoas, e teoricamente, as duas teriam que ter se escolhido mutuamente, escolhido a forma, e o lugar em comum acordo. Não é isso que esse quadro demonstra. Na época, lembro que comecei a pensar como eu agiria se eu estivesse na praia e visse aquela equipe de TV. Aterrorizava-me ainda mais o fato de eles bradarem aos sete ventos, que a justiça brasileira não os impediria a nada.
(Só um exemplo desse quadro, mas infelizmente, acho que se você vive no Brasil, já o viu pelo menos uma vez...
http://www.youtube.com/watch?v=XMHWeyejg84&feature=related)
Eles conseguiram mulheres fixas para humilhar e mostrar como objetos (alguns exemplos que me lembro, são as PANICATS, a Sabrina Sato, e a Samambaia – interessante que quando a gente quer dizer que uma pessoa é burra, fazemos alusão às plantas...). Infelizmente vi algumas cenas que muito me entristeceram. Vou colocar alguns links aqui, e fazer uma breve descrição do que aconteceu nesses quadros. (Assista apenas se você tiver estomago muito forte.)
- Teste de calcinha em guindaste: Nessa ocasião, eles decidiram “testar a qualidade da calcinha” usada por elas, levantando-as pela calcinha com um guindaste. É claro que o objetivo não era esse. O objetivo, era ver mulheres ditas 'gostosas' sendo levantadas pela calcinha por um guindaste, ate a calcinha arrebentar. (Imagino como deve doer você ter todo o peso do seu corpo levantado pela calcinha...)
*Especialmente esse vídeo é muito pesado, foi muito difícil eu assisti-lo até o fim pra poder postar, e fiquei em duvida se o colocaria ou não aqui o link para ele.
http://www.youtube.com/watch?v=VIUmQpygFPg
- Escorpião picando a bunda da Sabrina: Ela se assentou em uma pedra, e deixou que um escorpião a picasse. Caiu no chão chorando, e a voz que narrava a cena ao fundo fazia piada daquela situação e da dor que ela sentia.
http://www.youtube.com/watch?v=lfuXjeLoqoU&feature=related
- Em uma ocasião que muito me espantou, elas foram colocadas em um lugar com cães famintos e carne crua costurada nos biquínis. Foram “jogadas aos cães”, em uma referência àquelas situações nas quais os gladiadores eram jogados aos leões para divertir aos cidadãos da Roma Antiga. Esse vídeo mostra só a preparação do “espetáculo”. Se tiverem interesse em ver o final, basta procurar no youtube.
http://www.youtube.com/watch?v=XETLo_zrheM
Não poucas vezes as vi chorando, dizendo que não queriam fazer, além de uma referência à unidade de atendimento móvel para a segurança das mulheres, com conseguinte focalização da câmera em um caminhão de brinquedo... Quando elas começam a demonstrar que não querem fazer, um dos integrantes da equipe, que é alvo constante de humilhação pelos outros participantes do programa, grita com elas e as xinga muito, ameaçando que vai colocar outra no lugar delas, e dizendo que elas aceitaram fazer o quadro antes, e que por isso não poderiam deixar de fazê-lo, agora que já estavam sendo filmadas. Em um dos vídeos, quando elas estão demonstrando claramente estar sentindo dor, ele fica jogando balão de água na cara delas, e mandando-as parar de gritar.
Bem, o que eu vejo nesses vídeos, ou na descrição deles são cenas de violência explicita contra a mulher, e isso sendo tratado como ‘comédia’. Penso que esse tipo de programação na TV aberta faz um desfavor ao país, colocando de forma clara a suposta inferioridade da mulher diante do homem, ou diante de qualquer outra coisa, ou ideia. Pois, pra mim é difícil conceber que haja algum respeito qualquer que seja pela mulher quando coisas assim são feitas, e televisionadas.
Os argumentos mais facilmente encontrados são 3:
- Um que diz que elas têm a opção de fazer, ou deixarem que façam o que bem entenderem com o corpo delas. Sinceramente??? Eu não acho que é por ai não. Isso está sendo vinculado na mídia, as pessoas se espelham nesse tipo de atitude, e reproduzem em seus ambientes. Nós, mesmo quando não queremos, carregamos algumas características que representam um grupo de pessoas, e não temos como nos livrar disso. Elas são mulheres, e mesmo que elas não queiram, e que eu não queira, elas me representam lá, assim como representam todas as mulheres. Dizer que as pessoas adultas que assistem têm discernimento suficiente para não reproduzir isso também, em minha opinião, não é um argumento forte. Conheço muito pouco de Foucalt, mas tive uma aula sobre Dispositivos de Poder, e pelo que eu entendi, ele argumenta exatamente isso, que o poder se baseia em discursos sociais que são vinculados, que geram uma forma de ver o mundo. Qual é o discurso que passa nesse programa, qual é a forma de ver o mundo que ele nos propõe? Que a mulher está aí para ser violentada, e para que isso se torne uma forma de Piada, que isso seja engraçado, e dê ibope (lucro). Ainda seguindo essa ideia, algumas pessoas dizem: "o controle remoto existe pra isso, não assistam ao programa". Sim, a gente escolhe sim o que vamos assistir, mas não é porque eu não assisto, que vou fingir que não está acontecendo. Acho que temos que olhar sim o que está acontecendo na nossa mídia e na nossa sociedade que discordamos, e temos sim que buscar formas de PELO MENOS expor nossas opiniões sobre o que discordamos. Atualmente a máxima "cada um cuida da sua vida" tem produzido aberrações, algumas vezes irreversíveis. Somos responsáveis pelo outro SIM, mesmo sem conhecê-lo, mesmo sem ter sido EU que raspei o cabelo dela, me sinto responsável por viver e, consequentemente, produzir uma sociedade onde o que menos importa é a dignidade humana, MESMO QUE ESSA DIGNIDADE NÃO SEJA A MINHA ENQUANTO PESSOA. Esse individualismo está nos empurrando para o buraco, e confesso ter medo de que quando a maioria perceber isso, seja tarde demais.
- Há o argumento de que o programa exagerou APENAS quando rasparam o cabelo da Panicat ontem. Eu também discordo desse argumento, e acho que as descrições e os videos acima são auto-explicativos para mostrar onde acho que eles violentam a mulher de diversas formas, e todas inconcebíveis (pra mim). Quando penso no motivo de o fato de o cabelo ter sido a 'gota d'água' pra muita gente, fico pensando que a lógica que rege a revolta é a mesma que rege a ação. As pessoas acham um absurdo pois o cabelo é muito importante para a vaidade da mulher, ela trabaha com a imagem dela, e raspar a sua cabeça afeta diretamente a sua imagem corporal, o que pode impossibilitar que ela consiga trabalhos. Sim, concordo com tudo isso, mas fico me perguntando se realmente raspar o cabelo é TÃO PIOR do que agredir fisicamente, expor as mulheres a situações potencialmente geradoras de ferimentos físicos, e que de fato os geram (se expor ao veneno de um escorpião, colocando a saúde em risco, pra mim é mais sério do que ficar sem cabelo - Não estou dizendo que não prezo por meu cabelo, convivo com uma mulher que está fazendo quimioterapia, e o sofrimento de perder o cabelo é grande SIM, apenas não acho que seja mais importante do que garantir a saúde das pessoas.)
- E o argumento que eu defendo, de que o programa exagera desde a sua concepção na TV, e que realmente o limite já foi ultrapassado há muito tempo.
Penso que o programa ainda cria outras formas de preconceitos e estereótipos. Reparem que há um personagem masculino pratica ativamente a violência contra as mulheres na maioria das vezes, como podemos ver nos exemplos que separei pra esse post. Dizer que eles também “zoam” um homem em nada ajuda, porque, será que é MESMO coincidência o fato de o zoado ser o “Gordinho”?? (No vídeo das calcinhas, elas fazem uma ‘revanche’, e ele tem que fazer o mesmo. Pra mim, isso não melhora em nada. A violência contra a mulher não se anula quando se pratica violência contra o homem logo em seguida. Mas ainda assim, ele pôde sentir dor assentado, sem ninguém obrigá-lo a se levantar...as mulheres que praticaram essa violência contra ele, 'respeitaram' - de certa forma, a sua dor. Coisa que ele foi incapaz de fazer).
Não são apenas esses estereótipos que o programa ajuda a manter, ao mesmo tempo em que coloca no pior lugar da sociedade, aquele em que a pessoa realmente merece ser agredida, tem outros personagens que reiteram essa ideia.
Gostaria de deixar claro que não estou querendo interferir na liberdade individual das pessoas. Há poucos dias a Lola postou um guest post sobre BDSM (sado-masoquismo), e acho que isso é uma escolha individual. Mas, penso que SOMOS RESPONSÁVEIS PELOS OUTROS tambem nas escolhas que fazemos para nossa vida pessoal, e é aí que está o meu questionamento: transmitir isso na TV sem o mínimo de crítica às possiveis consequencias das ações.
Achar que tudo isso são grandes coincidências, pra mim, é uma grande ingenuidade. Vamos continuar sendo ingênuos? E rindo de todas essas violências e preconceitos...??? Ou vamos tentar ver além do que esta sendo dito e feito (aliás, nesse caso, nem tentam esconder nada...), pensar sobre isso? Pensar em como essas informações chegam para todas as pessoas que assistem... E as consequências disso?!?