terça-feira, 27 de julho de 2010

Borboletas de Zagorsk




Hoje, por acaso me deparei com o documentário “Borboletas de Zagorsk” no youtube. Muitos colegas já tinham me indicado, mas nunca tinha assistido.

Como já disse algumas vezes, esse blog se destina a debater basicamente sobre desigualdades de oportunidades (Apesar de declaradamente feminista, as discussões aqui não se restringirão a esse assunto...). E nesse post, em específico, vou falar sobre IGUALDADE DE OPORTUNIDADES...

O documentário, com duração de 40 minutos, foi feito em 1992 pela BBC, e mostra o trabalho desenvolvido em uma escola Russa, que idealizada por Vygotsky (amplamente estudado na psicologia e pedagogia, provavelmente mais recorrentemente na segunda [é, Psicólogos... a vida não é feita só de Freud...]), recebe e educa crianças surdascegas.

O documentário chega a ser chocante. E por basear-se em apenas um preceito qualquer um pode aprender, desde que se encontre o método ideal.
Uma das historias mais marcantes, é a de uma psicóloga, filósofa e poeta que, por ter ficado surdocega na infância, foi educada em Zagorsk. Transcreverei um de seus poemas, que é recitado no filme:

Contra a escuridão e o isolamento - surdocegueira
“Dê me tua mão, que eu te direi quem és.
Em minha silenciosa escuridão,
Mais clara que o ofuscante sol,
Está tudo que desejarias ocultar de mim.
Mais que palavras,
tuas mãos me contam tudo que recusavas dizer.
Fremente de ansiedade ou tremula de fúria,
Verdadeira amizade ou mentira,
Tudo se revela ao todo de uma mão,
Quem é estranho, quem é amigo.
Tudo eu vejo na minha silenciosa escuridão.
Dê me tua mão, que te direi quem és.”
Poema de Natasha – Retirado do documentário “Borboletas de Zagorsk”




Igualdade de oportunidades. Mesmo com as mais severas limitações, “deficiências”, dificuldades, TODOS SOMOS CAPAZES. Basta apenas que tenhamos possibilidade de desenvolver nossas potencialidades.

Hoje, só consigo ver uma única coisa que impede um ser humano de fazer qualquer coisa: a descrença. A sua própria e a dos outros. Por isso temos aversão à pena. Quando pensamos: “Tadinho de fulano... tudo é tão difícil pra ele...” acabamos por colocar no fulano uma incapacidade prévia... Com o tempo, próprio fulano começa a acreditar nisso, e ai sim qualquer um se torna ‘incapaz’.

Há algum tempo assisti ao filme “O escafandro e a borboleta” (coincidentemente os dois filmes fazem referência a esse inseto que feio no inicio da vida, se torna um dos insetos mais belos, que termina seus dias voando, espalhando a beleza no mundo, e polinizando plantas...).
É outro exemplo de que inválido é apenas aquele que é taxado, e passa a se sentir assim. O filme é baseado em um livro escrito por um homem que move apenas as pálpebras, resultado de uma doença que o torna tetraplégico. O livro pode ser comprado, e a sua adaptação para o cinema é emocionante.

Exemplos não me faltam. O que confesso que me falta é capacidade de entender como continuamos escolhendo esse caminho, que parece ser o mais fácil, de desacreditar o outro, e a nós mesmos. Aqui entram tantos debates infinitos, como a educação pública no Brasil, a situação dos chamados deficientes... Enfim, assunto pra vidas inteiras...

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Ê, D. Maria...




Todos nós já ouvimos que “Mulher no volante, perigo constante”... Confesso que eu tenho minhas dificuldades, que meu amado namorado não se cansa de enumerar todas as vezes que eu estou dirigindo... o que me faz praticar cada dia menos...

Várias vezes que alguém faz algo indevido no transito, percebo que é uma mulher, e não é raro ouvirmos a frase: “Ê, dona Maria.... volta pro fogão, lá que é seu lugar!”....

É conhecido por todos que o espaço público é o do homem e o espaço privado, da mulher. Conheço várias mulheres que dirigem super bem, e percebi que todas elas contam sobre uma infância semelhante: “Sempre tive mais amigos homens, ou sempre brincava com meus irmãos (todos homens)... as pessoas achavam que eu era um menininho, me chamavam de homenzinho...” E todas já ouviram que “dirigem igual a um homem”...

As meninas não podem sujar o vestido, e tem que ficar com a perna fechada. Não podem correr, porque elas vão sujar e estragar o penteado, e ficar feias, com o pé sujo ou o sapatinho tão lindo... estragado. Os meninos devem correr, pular o muro, subir em árvores, já saem de casa com uma roupa que lhes dá liberdade para brincar, pular, correr...

Dessa forma, desde muito cedo os meninos desenvolvem sua percepção espacial, eles aprendem muito cedo o tempo que demorarão pra correr ate a parede, brincam de carrinho, e com isso, vão desenvolvendo as habilidades que usamos ao dirigir muito mais cedo do que nós, meninas... lindas, arrumadas e cheirosas que ficamos em casa brincando de Barbie, escolinha e casinha. (Não que eu seja contra essas brincadeiras, apenas não acho bacana que as meninas fiquem SÓ com essas brincadeiras.)

A questão das brincadeiras de gênero é muito discutida, alguns pais já conseguem sair um pouco do beabá há tanto tempo estipulado, mas isso ainda não é tão difundido e aceito. Tanto é que continuamos ouvindo frases como: “Isso não é brincadeira pra menina”, e o famoso “Ê, D. Maria...”



Quando fui procurar imagens pra esse post, escrevi no Google imagens: “mulheres no volante” e invariavelmente apareceram imagens de acidentes esdrúxulos, explicados pelo fato de os carros acidentados estarem sendo dirigidos por mulheres...

Dirigir hoje significa liberdade, se você dirige vai onde quiser, quando quiser, e quando alguém assume que não gosta de dirigir e que não vai dirigir, as cobranças e reclamações são enormes.

Mas, será mesmo que temos que cobrar de alguém que nunca teve que usar sua noção de espaço que saiba exatamente se o carro vai ou não passar entre os ônibus, será que temos que cobrar tanta perfeição se essa pessoa jamais usou os sentidos dessa forma??

Teoricamente não é difícil mudar essa realidade, basta que passemos a aceitar que meninas brinquem das brincadeiras “de menino”, e vice-versa.



Parte o coração quando vamos a uma festa infantil e tem uma menina linda, com um vestidinho igual ao de uma princesa, assentada ao lado do pula-pula com os olhos brilhando. E quando você pergunta pra ela porque ela não vai brincar, ela diz que não pode estragar o vestido da cinderela que ganhou...

sábado, 3 de julho de 2010

Larissa Riquelme na Copa do Mundo




Já na reta final, um acontecimento na Copa do Mundo de Futebol, me chamou atenção. É declarado que esse é um campeonato basicamente masculino, e como já discuti aqui no post sobre a propaganda, é amplamente difundido que atinge basicamente homens.

Sabendo disso, eis que surge Larissa Riquelme. Uma lindíssima modelo Paraguaia, torcendo pela sua seleção, assim como milhares de pessoas ao redor do mundo. Fotógrafos flagraram essa bela mulher em Assunção-Paraguai, com um generoso decote e o celular entre os seios. As fotos da modelo correram o mundo, ela deu inúmeras entrevistas, foi convidada para trabalhos fotográficos em vários países. E, seguindo o exemplo de Maradona (atual técnico e grande ídolo da Seleção Argentina, que declarou que andará nu pelas ruas de Buenos Aires se a seleção que treina for campeã), Larissa Riquelme disse a um jornal Argentino que se o Paraguai vencesse a Espanha no jogo dessa tarde, ela andaria de biquíni (ou nua... as informações se contradizem) nas ruas de Assunção, para mostrar ao mundo a beleza da mulher Paraguaia.

Hoje, o Paraguai saiu da competição, por ter sido derrotado pela Espanha por 1X0. Assisti apenas alguns trechos do jogo, na Globo. Os comentaristas responsáveis pela partida não economizaram comentários sobre a modelo. Recordo-me de alguns. Um que dizia sobre a tristeza que o bandeirinha sentiu ao anular um gol do Paraguai. Foi dito que o bandeirinha torcia pela vitória do Paraguai, pois também queria vê-la andando pelas ruas da capital Paraguaia de biquíni, e não queria fazer a tristeza de milhões de torcedores que ansiavam a vitória dessa seleção para que então, pudesse ver o desfile previamente divulgado. Com o fim do jogo, o programa “Central da Copa”, que vai ao ar entre outros horários, após os jogos, exibiu um vídeo com cenas da musa torcendo durante a partida. O apresentador tecia comentários como:
- “Muito precavidos que são muito espertos, nossos companheiros fizeram um clip de Larissa Riquelme.
- (...) Tô com o coração partido realmente, não consigo trabalhar hoje.
- (...) Atenção às reações no gol anulado, aquele que disseram que o bandeirinha chorou: ai... oh.... (som semelhante a um leão)...risos. – enquanto a câmera focalizava seu rosto suado, filmando bem de perto sua boca.
- (...) Aí, ela falou um palavrão. E um outro comentarista diz: ‘ela é desbocada, né? Ela é desbocadinha’.
- (...) Colocou a mão no lugar errado na hora de vibrar, ela tampou a visão de metade do estádio ali.”
(Link para a reportagem sobre Larissa Riquelme no site da Globo: http://globoesporte.globo.com/futebol/copa-do-mundo/noticia/2010/07/com-patrocinio-no-seio-larissa-riquelme-torce-pelo-paraguai.html)



Essa bela mulher aproveitou que chamou a atenção dos fotógrafos, para se lançar na mídia internacional, sim, claro!!! Ela é modelo, é o sonho de sua vida ser comentada em todo o mundo. E para chamar a atenção do mundo para seu país, e sua seleção, que não é muito comentada por ter o melhor futebol ou as maiores chances de se tornar uma campeã.

OK. Não sou xiita, chata e mal-humorada. Ela quis, ela está se colocando dessa forma, ela está se mostrando, indo para assistir o jogo com essa roupa, colocando o celular entre os seios, e hoje, até a marca de um desodorante ela escreveu em um dos seios. Ela está aproveitando a popularidade pra se promover, e isso é no nosso mundo capitalista... aceitável.

Quero apenas refletir sobre os comentários dos apresentadores da globo. O foco saiu do futebol e foi para os seios avantajados da modelo. O futebol não está sendo suficientemente satisfatório?? Já estamos saturados de ouvir sobre impedimentos, falhas do juiz, regras, técnicos, faltas, jogadores machucados? Ou como a Seleção Canarinho saiu da disputa, não temos mais interesse nas transmissões... e, por isso, vamos voltar para nossa vida normal, como se nada estivesse acontecendo no mundo... Diante disso, a TV tem que fazer algo, não pode aceitar uma queda vertiginosa de audiência, e acaba apelando para qualquer coisa...

Achei exagerada a ênfase da transmissão da Globo nela, e achei de mal gosto os comentários que transcrevi aqui, e outros que ouvi.

Sim esse é um fato que deve ser comentado, e as fotos dela devem sim ser divulgadas. Apenas decidi escrever sobre um desconforto que senti ao ver que naquele jogo, o que interessava não era o futebol mais bonito ou o maior número de gols. E sim o show que ela daria mais tarde, diante de câmeras do mundo inteiro, diante de olhos atentos. Provavelmente, apenas os jogadores da seleção espanhola não iriam assistir ao espetáculo, que possivelmente seria assitido por mais telespectadores do que um jogo entre Sérvia e Gana. Mas que não acontecerá. Por mais que a mídia tente, no futebol, o que decide ainda é a diferença de gols, e não a qualidade das promessas, e a ênfase da mídia nelas...

Deixo aqui uma indicação. Comentários sobre uma matéria de mau-gosto, mais uma vez da Globo, sobre esse mesmo fato. Dessa vez, além de altamente machista, a matéria utiliza de inúmeras ironias e preconceitos, com o objetivo de dizer que a única coisa boa que tem no Paraguai são os seios da tão comentada Larissa Riquelme. Vale a pena ler!
http://somosandando.wordpress.com/2010/07/02/mau-jornalismo-da-globo-ja-e-destaque-internacional/